CONHECENDO OS TESTES DIAGNÓSTICOS PARA O SARS-COV-2
Testes laboratoriais para diagnóstico da COVID-19
O SARS-CoV-2 é um vírus que possui um envoltório glicoproteico e em seu interior o material genético (RNA). Na superfície desse envoltório há uma glicoproteína chamada spike (chave) que se liga a receptores específicos chamados receptores da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2 - fechadura) presente principalmente nas células dos rins, intestino e pulmão (CHEN et al., 2020). Através desse mecanismo “chave-fechadura” o vírus consegue invadir a célula do hospedeiro e passam a usar a maquinaria celular para produzir proteínas e material genético que darão origem a novos vírus, que saem posteriormente, infectando novas células.
Os pacientes com COVID-19 podem apresentar manifestações leves ou graves da doença, sendo fundamental a realização de exames laboratoriais para a confirmação da enfermidade. O diagnóstico possibilita a diferenciação de outras síndromes respiratórias e é fundamental para as notificações dos casos e instituição das devidas medidas de controle, tratamento e profilaxia da doença.
Nesse contexto, os testes diagnósticos têm sido de fundamental importância para o diagnóstico da COVID-19 e para o acompanhamento da progressão da doença em todo o território nacional. No Brasil, estão disponíveis dois tipos de testes, os que detectam o material genético do vírus e os que detectam os anticorpos produzidos pela exposição ao vírus.
O teste padrão ouro para confirmação do SARS-CoV-2 é o teste molecular de Reação em Cadeia de Polimerase com Transcriptase Reversa (RT-PCR), que é capaz de identificar o material genético específico desse vírus. O teste denominado padrão ouro identifica a enfermidade, assegurando o máximo de acerto, e contribui para estabelecer o diagnóstico real, validar e comparar outros testes que venham a ser produzidos.
Como o pulmão é o órgão mais afetado pelo vírus, secreções provenientes do trato respiratório superior (nasofaringe e orofaringe) ou inferior (traqueia e brônquios) são os principais órgãos de onde as amostras devem ser colhidas para realização da pesquisa de SARS-CoV-2 por RT- PCR. Para a realização do exame é coletada uma amostra das secreções da nasofaringe por swab (introdução do swab pela narina até a altura da entrada do ouvido externo), o qual deve ser acondicionado em um meio de cultura viral e levado ao laboratório para análise. Amostras de secreções da orofaringe, lavados traqueais e de brônquios também podem ser utilizadas.
A técnica de RT-PCR consiste em utilizar uma enzima chamada transcriptase reversa a qual é capaz de produzir um DNA complementar (cDNA) a partir do RNA viral. Após a formação do cDNA é inserido duas fitas de DNA simples (primers) na reação levando a produção de milhões de cópias deste cDNA, amplificando o material genético do vírus (PCR). Posteriormente são utilizadas sondas complementares, que são sequências de DNA específicas que se ligam (reconhecem) a áreas conhecidas do cDNA do SARS-CoV-2, identificando dessa forma se o conteúdo molecular é compatível com o vírus. É um teste que necessita de equipamentos específicos e instalações laboratoriais com níveis estritos de biossegurança.
Outros tipos de testes utilizados são os testes rápidos que identificam anticorpos específicos também conhecidos como imunoglobulinas (Ig), os quais são produzidos pelas células de defesa (linfócitos B) quando o indivíduo está no pico da infecção ou na fase de recuperação, sendo importante frisar que a produção dessas Ig leva um período de tempo para ocorrer. Atualmente os testes rápidos disponíveis detectam as classes de imunoglobulina M (IgM) e G (IgG). A IgM é a primeira a ser produzida e seu pico ocorre durante a infecção do indivíduo, levando cerca de três a cinco dias após a exposição do indivíduo ao vírus, enquanto a IgG aumenta na circulação no final da infecção e permanece aumentada mesmo após a cura.
A maioria dos testes rápidos disponíveis utiliza a técnica de imunocromatografia, onde é utilizada uma fita porosa no seu interior, existindo um local específico para a adição da amostra, nessa área é colocada à amostra a ser testada e é adicionado um conjugado (solução com antígenos específicos de SARS-CoV-2 junto com um reagente de cor), dessa forma se o indivíduo possui imunoglobulinas contra o vírus irá ocorrer à formação de imunocomplexos (antígeno/anticorpo). Os imunocomplexos percorrem a tira e encontram áreas específicas de fixação, onde existem anticorpos imobilizados que capturam os imunocomplexos, sendo a captura destes evidenciada pelo aparecimento de uma linha colorida, indicando a produção de IgM ou IgG.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) até o momento permitiu o registro e a comercialização de 19 testes para SARS-CoV-2 no Brasil, sendo quatro testes moleculares (RT-PCR) e 15 para detecção rápida de anticorpos. Dos testes rápidos, 13 usam sangue total, soro ou plasma, enquanto dois usam secreções da orofaringe ou nasofaringe e o resultado é obtido entre 10 e 20 minutos, dependendo do teste utilizado. Porém, é importante ressaltar que não existem estudos científicos avaliando qualquer um dos testes liberados, sendo as informações dos mesmos obtidos das bulas fornecidas pelos fabricantes.
Embora tenhamos testes disponíveis para auxiliar no diagnóstico dessa enfermidade, é importante ter em mente, que os testes possuem limitações e que infelizmente as empresas não têm disponibilidade imediata de kits em quantidade suficiente para toda a população. Dessa forma, os testes de RT-PCR feitos pelo SUS só estão sendo realizados em paciente suspeitos que apresentem sintomas compatíveis com a enfermidade, principalmente nos casos graves, já que ele é o padrão ouro para confirmar ou descartar a enfermidade.
Porém, devemos levar em consideração alguns parâmetros para avaliar a eficiência dos testes disponíveis, um dos principais pontos é a sensibilidade e a especificidade dos testes, a primeira se refere à capacidade do teste de detectar os verdadeiros positivos (pessoas com o vírus e positivas no teste) e o segundo os verdadeiros negativos (pessoas sem o vírus e negativas no teste). Dessa forma, um teste é considerado excelente quanto maior for sua sensibilidade e sua especificidade, que podem variar de 0 a 100%, sendo mais eficientes os testes que se aproximam de 100%. O RT-PCR é um teste com alta sensibilidade e especificidade (≥95%), porém possui limitações, podendo não identificar o material genético do vírus no início da infecção, devido à baixa carga viral encontrado nas secreções, dessa forma quando o paciente apresenta sintomatologia e teste RT-PCR negativo, não é descartada a existência da enfermidade, sendo indicada a repetição do exame. Porém é o teste que consegue confirmar a existência de SARS-CoV-2 mais precocemente, já que os testes rápidos só conseguem identificar quando ocorre a produção de anticorpos cerca de sete dias após a infecção do indivíduo (BRASIL, 2020).
Os testes rápidos não são indicados para testar pacientes na janela imunológica, ou seja, no período que vai da infecção até a produção de anticorpos, portanto não é indicado testar pacientes com sintomas de início recente, mas aqueles com sintomas a mais de oito dias, quando a produção de anticorpo já ocorreu, levando em consideração que no pico da infecção ocorre maior produção de IgM, com redução posterior e aumento de IgG.
A sensibilidade e a especificidade dos testes rápidos registrados pela ANVISA varia de acordo com a imunoglobulina testada, sendo observada uma sensibilidade para IgM de 85% e IgG de 95-100%, enquanto a especificidade para IgM varia de 95-96% e para IgG de 95 a 98%, sendo boas a sensibilidade e especificidade dos testes (BRASIL, 2020).
Recentemente o Brasil recebeu doação de milhares de testes rápidos da empresa Vale®, os quais foram comprados na China, e distribuídos para todo o Brasil. Estes testes estão sendo utilizados apenas para testar amostras de profissionais da saúde, policiais, bombeiros e guarda civis por terem maiores chances de entrar em contato com o vírus, porém o Ministério da Saúde apontou que os testes doados apresentaram limitações importantes, pois nas análises que apontam negativo para SARS-CoV-2, a probabilidade que o resultado reflita a realidade é de apenas 25%, ou seja, o teste tem 75% de chance de está errado para amostras negativas. Uma rede de laboratório testou o produto em questão e verificou que a sensibilidade do teste foi de 32%, enquanto a empresa garantia 86%, dessa forma percebe-se a importância dos testes serem avaliados por pesquisadores fora do âmbito empresarial antes de serem comprados e utilizados.
O RT-PCR é o teste padrão ouro para determinação da COVID-19, enquanto que o papel dos testes rápidos no Brasil ainda é incerto, pois o uso dessa tecnologia é recente e mais estudos são necessários para avaliar se os testes liberados são realmente eficientes no diagnóstico da COVID-19, porém alguns pesquisadores acreditam que esses testes irão contribuir significativamente para determinar as pessoas que já tiveram COVID-19, já que alguns casos da enfermidade são leves ou assintomáticos.
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Rejane dos Santos Sousa é Medica Veterinária, graduada pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Mestre em Ciência Animal pela Universidade Federal Rural do Semi Árido (UFERSA) e Doutora pelo Departamento de Clínica Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP). Atualmente é professora efetiva do Instituto de Estudos do Trópico Úmido (IETU) da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa- Xinguara), sendo responsável pelas disciplinas de Patologia Clínica Veterinária, Imunologia, Biofísica, Bioquímica e Biologia Celular. Possui experiência em Medicina Veterinária,atuando nos seguintes temas: sanidade animal, doenças metabólicas e nutricionais e patologia clínica.
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Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Diagnóstico COVID-19. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/. Acesso em 18 de abr. 2020.
Chen Y, Liu Q, Guo D. Emerging coronaviruses: Genome structure, replication, and pathogenesis. J Med Virol. 2020 Apr;92(4):418-423.
Brasil - Ministério da Saúde, Acurácia dos testes diagnósticos registrados para COVID-19, Brasília, 2020.
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