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Animais de estimação x coronavírus

  • Publicado: Segunda, 27 de Abril de 2020, 15h20
  • Última atualização em Segunda, 27 de Abril de 2020, 15h24
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Covid-19 é um risco para animais?

 

Em meio à pandemia de COVID-19, surgem preocupações quanto ao impacto da doença nos animais domésticos. Até o momento acredita-se que a fauna silvestre, provavelmente morcegos, constitui o reservatório inicial do vírus, mas pouco se sabe sobre o papel que os animais de estimação podem desempenhar na disseminação da doença nas comunidades humanas, dada a capacidade do SARS-CoV-2 (agente que causa a COVID-19) de infectar alguns animais domésticos. É importante salientar que o SARS-CoV-2 que causa a COVID-19 e que tem como principal sinal clínico a síndrome do trato respiratório em humanos, é um vírus diferente dos coronavírus já identificados há muitos anos em outras espécies. Alguns coronavírus presentes nos animais são o coronavírus entérico canino que causa diarreia leve em cães, o coronavírus respiratório infeccioso canino que causa doença respiratória em cães, o coronavírus entérico felino que causa a peritonite infecciosa em gatos e o coronavírus bovino que causa doença respiratória e gastrointestinal em bovinos. Os vírus citados são espécie-específicos e não são transmissíveis para os humanos.

As técnicas utilizadas para o diagnóstico da COVID-19 são a sorologia, que sugere exposição ao vírus por meio da identificação de anticorpos produzidos; o isolamento ou cultura viral, que demonstra a presença do vírus vivo; e o RT-PCR, que detecta a presença do ácido nucleico viral mas não confirma a presença do vírus vivo (saiba mais).

Relatos de casos positivos para SARS-CoV-2 em cães, gatos domésticos e felídeos silvestres são objetos de discussão no meio científico, mas as informações no atual momento da pandemia estão em evolução. Em Hong Kong, foram testados nos últimos dois meses 32 cães, 18 felinos e 2 hamsters para SARS-CoV-2, cujos tutores eram positivos para COVID-19. Dos 55 animais, 2 cães e 1 gato apresentaram resultados positivos.

O primeiro caso testado positivo foi um cão da raça Spitz Alemão, de 17 anos, que não apresentou sintomas de COVID-19. Foram coletadas amostras de swab nasal e oral e realizados exames de RT-PCR que apresentaram resultados fraco-positivos, o que indica uma baixa carga viral, por período de 12 dias em que o animal estava em quarentena em canil oficial do governo. Também foram realizados exames de isolamento viral que deu negativo, e duas sorologias com resultados negativo na primeira e fraco-positivo na segunda, indicando uma baixa quantidade de anticorpos produzidos contra o agente. No 16º dia, após resultado de RT-PCR negativo, o animal retornou para casa e veio à óbito três dias depois. Provavelmente a causa do óbito foi a descompensação de doença cardíaca e renal pré-existentes, não havendo evidências que seja por COVID-19 pela ausência de sinais clínicos da doença. A tutora não permitiu a realização de necropsia do animal.

O segundo cão testado positivo para SARS-CoV-2 é da raça Pastor Alemão, de dois anos de idade, que apresentou RT-PCR positivo durante dois dias em amostras de swab nasal e oral, isolamento viral por swab nasal positivo e sorologia positiva. A partir do 6º dia o resultado de RT-PCR apresentou negativo. Um fato otimista é que não houve transmissão para o segundo cão da família.

O felino de Hong Kong que recentemente testou positivo para SARS-CoV-2 por RT-PCR em amostras de swab nasal, oral e fecal durante um período de cinco dias, é uma fêmea jovem que não apresentou sintomas de COVID-19 e que permanece saudável durante a quarentena. Os exames de isolamento viral e a sorologia ainda estão pendentes.

Na Bélgica foi relatado outro caso de um felino que ficou doente uma semana após o tutor com COVID-19 retornar de uma viagem à Itália. O animal apresentou anorexia, vômitos, diarreia e dificuldade respiratória, mas não foi possível uma avaliação do quadro clínico por veterinários. Foram colhidas amostras do vômito e das fezes que acusaram alta carga viral no RT-PCR confirmando SARS-CoV-2. O quadro do felino resolveu-se após sete dias e o animal encontra-se bem. Não foi possível realizar o isolamento viral. O monitoramento está sendo realizado para determinar se ele desenvolverá anticorpos séricos contra o vírus.

Em Nova York, epicentro atual da pandemia, foi relatado o primeiro caso positivo para SARS-CoV-2 em um felídeo não-doméstico, um tigre da Malásia, fêmea de quatro anos de idade, que apresentou tosse e diminuição de apetite. A fonte provável da infeção foi uma pessoa portadora, que transportou o vírus enquanto permanecia com infeção assintomática. Embora haja mais três tigres e três leões africanos com tosse seca, só foi testado um tigre devido ao risco associado à colheita de amostras sanguíneas sob anestesia geral. Embora tenham apresentado diminuição do apetite, os tigres e leões estão em bom estado geral, sob cuidados médico veterinários, alertas e interativos com os tratadores. Os quatro tigres afetados coabitam com um tigre de Amur, que não manifestou nenhum sinal clínico. Três outros tigres do mesmo jardim zoológico, bem como os leopardos das neves, chitas, leopardos nebulosos, leopardo de Amur, puma e serval não apresentam sinal de doença.

Diante desses relatos de animais positivos, estão em andamento diversos estudos para elucidar a susceptibilidade de diferentes espécies animais ao SARS-CoV-2 e a dinâmica da infecção nessas espécies.

Um estudo publicado em abril pelo periódico Science investigou a susceptibilidade de várias espécies animais ao SARS-CoV-2, por inoculação intranasal de alta quantidade do vírus a um pequeno grupo de ferrets, cães, gatos , porcos, galinhas e patos e observou que o SARS-CoV-2 se replica mal em cães, porcos, galinhas e patos, mas com eficiência em ferrets e gatos. Este estudo sugere que das espécies animais investigadas até o momento, os gatos são as espécies mais susceptíveis ao COVID-19. No laboratório, os gatos foram capazes de transmitir infecções a outros gatos por meio de gotículas respiratórias. Os ferrets também parecem ser susceptíveis a infecções, mas menos a doenças. No ambiente de laboratório, os ferrets também foram capazes de transmitir infecções a outros ferrets. O SARS-CoV-2 se replicou eficientemente no trato respiratório superior dos ferrets, mas não foi observado replicação em outros órgãos. De acordo com os resultados concluiu-se que os ferrets podem vir a ser o modelo animal para avaliar medicamentos antivirais ou vacinas contra COVID-19. Os cães apresentaram baixa susceptibilidade à infecção. Dos cinco cães inoculados com o vírus, dois apresentaram produção de anticorpos e a cultura viral foi negativa em todos os cães. Não houve transmissão para outros cães (n=2) alojados na mesma sala. Porcos, galinhas e patos não foram susceptíveis à infecção por SARS-CoV-2.

Vários estudos relataram que o SARS-CoV-2 usa a enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2) como seu receptor para entrar nas células. A ECA2 é expressa nas células do trato respiratório, principalmente nos pulmões, e de outros tecidos. Os receptores ECA2 de felinos e ferrets apresentam uma maior semelhança aos receptores ECA2 humanos do que os receptores ECA2 de cães. Ferrets e gatos têm apenas duas diferenças de aminoácidos nas regiões de contato da ECA2 com as proteínas de espícula do SARS-CoV-2, quando comparados aos humanos. Essa semelhança já era conhecida desde 2003 quando foi demonstrado que ferrets e gatos podiam ser infectados com o SARS-CoV, o coronavírus causador da SARS, e que podiam transmitir a doença. No entanto, foram relatados raros casos de gatos apresentando infecção respiratória grave e não houve relatos de transmissão da SARS dos animais para humanos.

Um comitê científico consultivo da WSAVA (Associação Mundial de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais) enfatiza fortemente que os estudos experimentais não podem ser diretamente correlacionados ao que acontece no ambiente natural. Ainda não se sabe se a carga viral de SARS-CoV-2 inoculadas para indução das infecções primárias de gatos, ferrets e cães nos estudos experimentais seria alcançada em um ambiente de infecção natural, onde um proprietário infectado é a fonte de infecção.

Um estudo preliminar, não revisado por seus pares até o momento, pelo Instituto Pasteur, testou 21 animais de estimação (9 gatos e 12 cães) que viviam em contato próximo com seus tutores, pertencentes a uma comunidade veterinária de 20 alunos franceses, nos quais dois estudantes apresentaram resultado positivo para COVID-19 e vários outros (n =11/18) consecutivamente apresentaram sinais clínicos (febre, tosse, perda de olfato, etc.) compatíveis com a infecção por COVID-19. Alguns animais de estimação (3 gatos) apresentaram sinais respiratórios ou digestivos, indicativos de infecção por coronavírus. Entretanto, nenhum animal testou positivo para SARS-CoV-2 por RT-PCR e nenhum anticorpo contra SARS-CoV-2 foi detectável no sangue. De acordo com esses resultados, deve-se avaliar o grau de infecção dos animais domésticos em exposição natural ao vírus SARS-CoV-2.

Outro estudo em fase de pré-publicação, investigou a presença de anticorpos contra SARS-CoV-2 em gatos de Wuhan. Os resultados obtidos em amostras de 102 gatos, colhidas durante o surto de COVID-19 (janeiro a março de 2020) foram comparados aos de 39 gatos, submetidos a colheita de sangue antes do início do surto, em 2019. Foi detectada a presença de anticorpos em 15 (14,7%) das amostras obtidas após o início do surto. Os resultados deste trabalho sugerem que os gatos podem estar sujeitos à exposição natural ao SARS-CoV-2 e desenvolvem uma resposta sorológica. É importante enfatizar que a detecção de anticorpos não significa que os animais adoeceram ou que são capazes de transmitir a doença. À semelhança de relatos semelhantes efetuados em gatos submetidos a quarentena em Hong-Kong, a excreção do vírus em gatos expostos à infeção natural é, ou de curta duração, ou de baixa intensidade.

Os laboratórios de referência IDEXX desenvolveram um teste de PCR em tempo real, adaptado para uso em animais, para detectar SARS-CoV-2. O teste ainda não está disponível para comercialização. Em meados de abril, foram testadas mais de 5000 amostras de cães, felinos e equinos com sinais respiratórios originários dos Estados Unidos, Coreia do Sul, Canadá e países europeus, incluindo áreas com altas taxas de COVID-19 na população humana. Todas as amostras foram negativas. Esses dados são otimistas e mostram que outras enfermidades que acometem o sistema respiratório em cães e gatos devem ser investigadas e que até o momento quadros respiratórios não estão relacionados a COVID-19 nessas espécies.

Tem sido questionado se os animais de estimação de pessoas com COVID-19 devem ser testados. A WSAVA orienta que a testagem de animais para COVID-19 deve ser consultada pelas autoridades de saúde oficiais de cada país. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina Veterinária divulgou em uma nota que até o momento não existe necessidade de testar indiscriminadamente os animais de estimação para a doença.

A Organização Mundial da Saúde recomenda que as pessoas infectadas com COVID-19 devem evitar contato próximo com seus animais de estimação e se possível ter outro membro da família para cuidar deles. Se isso não for possível, pessoas com COVID-19 devem sempre usar máscaras faciais e adotar medidas de higiene ao manusear seus animais de estimação. Os animais pertencentes a proprietários infectados com COVID-19 devem ser mantidos em ambientes fechados e o contato deve ser evitado o máximo possível. Além disso, recomenda-se que ao manipular e cuidar dos animais deve-se sempre manter boas práticas de higiene. Isso inclui lavar as mãos antes e depois de andar ou manusear animais, alimentos ou suprimentos, além de evitar beijar, lamber ou compartilhar alimentos.

As entidades internacionais alertam que é importante que o COVID-19 não leve a medidas inadequadas contra animais domésticos ou selvagens que possam comprometer seu bem-estar e saúde ou ter um impacto negativo na biodiversidade.

A hipótese de que pequenos animais domésticos possam servir como hospedeiros intermediários ou de amplificação do vírus precisa ser mais abordada, a fim de melhorar os modelos epidemiológicos e adotar medidas preventivas apropriadas. A OIE (Organização Mundial de Saúde Animal) afirma que atualmente não há evidências que sugiram que animais infectados por seres humanos estejam desempenhando um papel na disseminação do COVID-19. O surto humano de COVID-19 é causado por contato pessoa a pessoa.

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A profa. Saura Nayane de Souza possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Goiás (2007), especialização em residência médico-veterinária pela Universidade Federal de Goiás (2008), mestrado em Ciência Animal pela Universidade Federal de Goiás (2011) e doutorado em Ciência Animal pela Universidade Federal de Goiás (2017). Tem experiência na área de Clínica Médica Veterinária, com ênfase em nefrologia de cães e gatos. Atuou como médica veterinária na Clínica Veterinária das Faculdades Objetivo Assobes e como professora da disciplina de clínica médica de pequenos animais da mesma instituição. Atualmente é professora adjunta dos cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia do Instituto de Estudos do Trópico Úmido - IETU da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - UNIFESSPA, Campus de Xinguara.

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REFERÊNCIAS

www.wsava.org

www.portal.cfmv.gov.br/

www.oie.int

www.cdc.gov

https://www.idexx.com/

Shi et al., 2020. Susceptibility of ferrets, cats, dogs, and other domesticated animals to SARS–coronavirus 2. DOI: 10.1126/science.abb7015

Temmam et al., 2020. Absence of SARS-CoV-2 infection in cats and dogs in close contact with a cluster of COVID-19 patients in a veterinary campus. DOI: https://doi.org/10.1101/2020.04.07.029090

Zhang et al., 2020. SARS-CoV-2 neutralizing serum antibodies in cats: a serological investigation. doi: https://doi.org/10.1101/2020.04.01.021196

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